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’30 anos de prisão’: idosos da Compensa relatam morar em prisão particular

O bairro virou cenário recorrente de derramamento de sangue - muitas vezes, inocente

(Foto: Jhonata Lobato / Portal Tucumã)

Um casal de idosos narrou a rotina que o dois vivem em casa e, como sobrevivem com a ação das facções no bairro da Compensa, zona Oeste de Manaus. Palco de mais uma noite violenta nesta quarta-feira (29), o bairro tem sido símbolo da guerra de facções que assola o Amazonas, especialmente Manaus, nos últimos anos.

Eles evitam saber do que acontece na região para sobreviver. Residentes no bairro há mais de 30 anos, eles não saem de casa a não ser que seja para resolver alguma situação.

“Tudo o que sei que acontece nesse lugar é porque chega na minha porta. Eu não vou atrás de nenhuma informação sobre assalto, morte e outros casos. E nem procuro ver no jornal, quanto menos eu souber, melhor pra mim”, contou a idosa.

Já seu esposo relembrou quando o neto foi morto por um traficante há um ano e, que só tomaram conhecimento do envolvimento dele no tráfico, por conta do ocorrido.

“Ele morreu na lateral de minha casa, eu jamais imaginaria que minha família estaria envolvida com essas coisas ruins. Mas os atos dele não comprometem nossa integridade, continuamos todos os dias trancados para nossa segurança. É nossa prisão particular”, detalhou.

O idoso terminou a conversa dizendo que muita gente acha que ele denuncia a criminalidade na região, mas ele contou do temor que tem em deixar a família vulnerável.

“Se eu contar metade das coisas que vejo e fico sabendo daqui, eu vou ser assassinado. Pra mim não vale a pena denunciar esses criminosos pra alguém ser preso temporariamente, em seguida o parceiro dele me matar, depois ser solto e, no final minha morte ser em vão”, desabafou.

Guerra impiedosa na zona Oeste

A noite da última quarta-feira (29) no bairro Compensa, Zona Oeste da capital, foi novamente sangrenta. O bairro registrou novamente pessoas mortas e feridas por conta da rivalidade das facções criminosas. Mesmo cada vez mais assustados, moradores da região dizem que também estão cada vez mais acostumados com os acontecimentos aterrorizantes no local.

Berço da maior facção criminosa do Amazonas, bairro sofre com disputa entre grupos rivais

Sobre a morte dos dois homens, assassinados na noite de ontem, a polícia suspeita que seja por conta da disputa pelo território para atuação do tráfico de drogas. Em outra ponta dessa guerra, duas irmãs, de 13 e 14 anos, sem envolvimento com atividades ilícitas, foram atingidas por balas perdidas. Elas compravam pastel com o pai na esquina do beco Y, que dá acesso rua Gilberto Mestrinho, no mesmo momento que um dos homens foi morto.

A voz dos inocentes

A equipe do Portal Tucumã andou pelos becos Gilberto Mestrinho, rip rap e beco Y, para conversar com a vizinhança sobre como se o moradores e sentem com o movimento criminal literalmente na porta de suas casas. Para não comprometer a segurança delas, não revelaremos a identidade de nenhuma fonte que conversou conosco.

Em um estabelecimento conversamos com um peixeiro de 55 anos que falou sobre os cuidados que toma para não se expor. Ele é morador da Compensa há mais de 20 anos e sabe todas as maneiras de não comprometer a integridade física dele e da família.

“Eu já vi muita coisa acontecer nesse lugar. Eu conheço traficantes, na verdade todo mundo aqui conhece, entretanto eu sou respeitado porque não me envolvo com o que errado. Finjo que sou cego, surdo e mudo e, não sei de nada. Só assim pra conseguir sobreviver nesse bairro”, contou.

Ele relembrou de episódios traumáticos que viveu por conta de homicídios na Compensa e ainda assim, não virou alvo de nenhuma facção.

“Há cinco anos eu presenciei um homem ser executado na porta da minha casa. Ele conversava com os conhecidos dele e quando eu fui sair de casa, um indivíduo já chegou atirando na cabeça dele. Só deu tempo de fechar a porta e me trancar com minha família dentro de casa. Quando a polícia me interrogou sobre o ocorrido eu disse não saber nada, e não sabia mesmo. Mas mesmo que soubesse eu não abriria a boca porque eu seria o próximo alvo e já estaria morto”, explicou.

O peixeiro finalizou dizendo que não se sente seguro com a presença da polícia, porque os membros de facções são astutos e dominam o lugar.

“Quando acontece homicídios como o de ontem aqui, enche de viaturas no local, depois não tem mais nada. E isso está errado, o movimento criminoso é diário, não só em assassinatos. Então eu acho que esse terror jamais vai acabar. Eu moro aqui há 20 anos e só piorou, porque agora vai reduzir?”, complementou.

Jhonata Lobato

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